Como
o desejo de que o dia tenha bem mais de 24 horas não passará disso, ou
seja, de um desejo, as pessoas vivem procurando maneiras de fazer o
tempo disponível render. Uma delas é mandar energéticos goela abaixo
para ficar a mil. O indício de que se trata de um comportamento cada vez mais
corriqueiro vem do Serviço de Administração em Abuso de Substâncias e
Saúde Mental, nos Estados Unidos. Em um documento recente, o órgão
revela que, entre 2007 e 2011, aumentou em 279% o número de indivíduos
acima de 40 anos visitando o pronto-socorro após a ingestão da bebida.
Prova de que não são apenas os jovens baladeiros que se entopem de
latinhas.
Outro
dado intrigante: em 2011, quase 60% desses atendimentos emergenciais
estavam associados somente ao uso dos energéticos — isto é, não havia
álcool ou drogas na
jogada. A situação americana está longe de surpreender especialistas
brasileiros. Afinal, essa parece ser uma realidade também por aqui.
"Devido à rotina atribulada, muita gente já acorda cansada", nota o
cardiologista Daniel Pellegrino dos Santos, do Hospital do Coração, na capital paulista.
Daí, às vezes só com a ajuda da bendita cafeína, principal composto
das bebidas estimulantes, para aguentar o tranco. Só que existe um
limite para seu consumo. "Adultos, por exemplo, podem ingerir no máximo
2,5 miligramas de cafeína por quilo de peso", informa Santos. Isso
significa que uma mulher de 60 quilos precisaria parar nos 150
miligramas. "Acontece que, nos energéticos, a quantidade de cafeína
varia de 80 até 500 miligramas", avisa a cardiologista Luciana Janot
Matos, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
E
o excesso cobra seu preço. Quem paga mais caro, geralmente, é o
coração. "A cafeína instiga o sistema nervoso simpático a liberar
hormônios estimulantes, como adrenalina e noradrenalina", explica a
médica. Algo preocupante, pois essa dupla propicia o aumento da
frequência cardíaca e o estreitamento dos vasos sanguíneos, fazendo a
pressão decolar. Em sujeitos com problemas prévios nas artérias — muitas
vezes silenciosos —, o efeito eventualmente serve como estopim para um
infarto ou derrame.
Esses
hormônios excitantes ainda são capazes de fazer o coração bater em
ritmo pra lá de apressado, quadro conhecido como arritmia. "Quando há um
histórico de doença cardíaca, a aceleração pode ser fatal", avisa
Daniel Daher, presidente do Grupo de Estudos em Cardiologia do Esporte
da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
O
fato de seu coração estar aparentemente livre de enroscos não serve de
argumento para abusar das latinhas. Especialmente para quem já atingiu
os 40 anos de idade. "Com o passar do tempo, sobe a probabilidade de a
pessoa ter sido exposta a fatores de risco como pressão alta, obesidade,
tabagismo, dieta inadequada,
entre outros", lembra Daher. Os energéticos seriam, então, um
ingrediente extra na equação bombástica. Fora que uma parcela daqueles
que à primeira vista esbanjam saúde — são magros, comem direito e fazem
exercícios — possuem um risco aumentado de males cardíacos por causa da
herença genética. Mais um motivo para espiar o rótulo e evitar se
entupir de cafeína.
A
recomendação vale por outras razões, como barrar a gastrite. Isso
porque tanto a cafeína como os hormônios excitantes despejados na
corrente sanguínea contribuem para a maior produção de ácidos que
irritam a mucosa do estômago, o que explica a sensação de queimação. O
estado de agitação ainda favorece a ocorrência de tremores involuntários
pelo corpo todo, inclusive nas pálpebras. Para piorar, no dia seguinte a
tendência é sentir uma espécie de ressaca, com sonolência e tudo mais.
"Aí, crescem as chances de lançar mão da bebida novamente", raciocina o
cardiologista Rui Póvoa, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Se
as consequências da falta de comedimento já são temerosas nos adultos,
imagine em crianças e adolescentes. "Eles são mais suscetíveis aos
efeitos da cafeína. Sem contar que seu sistema cardiovascular está em
formação", enfatiza a cardiologista Grace Bichara, do Hospital Infantil
Sabará, em São Paulo. As preocupações vão além: é comum que os
energéticos sejam misturados a bebidas alcoólicas. Segundo levantamento
do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da
Unifesp, dos mais de 50 mil jovens entrevistados em 2010, pelo menos
60,5% relataram já ter consumido alguma bebida alcoólica, sendo que
15,4% adicionaram o energético ao copo. "O perigo é que a mistura
potencializa o efeito estimulante do álcool, motivando sua procura em
outras ocasiões", alerta Sionaldo Ferreira, professor de educação física
da instituição. Levantamentos também apontam que a coordenação motora e
o tempo de reação são afetados, abrindo brecha para acidentes.
A cafeína não está sozinha
Embora
a maioria das chateações decorrentes dos energéticos esteja relacionada
à presença dessa substância, há prejuízos que se manifestam graças a
outras características do líquido. Sua acidez é um exemplo, como
registra um estudo da Universidade do Vale do Itajaí, em Santa Catarina.
Nele, dentes bovinos, cuja composição é semelhante à dos nossos, foram
imersos no líquido durante 15 minutos, quatro vezes ao dia, por cinco
dias.
O
resultado não foi nada positivo. "A bebida removeu o cálcio dos dentes e
tornou a superfície do esmalte porosa", atesta Lídia Morales Justino,
professora de odontologia e orientadora da pesquisa. "Isso cria
condições para a deposição de corantes ali, culminando em mudança de
cor", completa. Colocando tudo na balança — do coração ameaçado aos
dentes manchados —, você há de convir que uma boa noite de sono ainda é a
melhor pedida para repor as energias. Energético? Só de vez em quando e
com moderação.
Sempre alerta: consumir a dose adequada de cafeína é um desafio, visto que ela está em vários itens
Energético - 1 lata - 80 mg a 500 mg
Café espresso - 1 xícara de 60 ml - 60 mg
Guaraná em pó - 1 grama - 44 mg
Chá-preto - 1 xícara de 150 ml - 35 mg
Refrigerante de cola - 1 lata - 31 mg
Chocolate amargo - 1 barra de 170 g - 31 mg
Chocolate ao leite - 1 barra de 170 g - 10 mg
Gás natural
Falta
disposição para trabalhar ou assistir às aulas da faculdade? Antes de
recorrer aos energéticos para encontrar o vigor perdido, que tal se
questionar a quantas andam seu sono, sua dieta e a frequência na
academia? É que os três fatores, quando levados a sério, fornecem aenergia necessária para
você aguentar o corre-corre. "Parece simples, mas a maioria das pessoas
não dorme pelo menos oito horas diárias, tem uma alimentação
desequilibrada ou não faz exercícios pelo menos quatro vezes por
semana", lamenta o cardiologista Daniel Daher, da SBC.
Fonte: saude.abril.com.br
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