Há quem não pestaneje em dizer que dormir é sinônimo de perda de tempo. Trabalho,
provas, festas, viagens — motivos (ou desculpas) não faltam para deixar
a cama de lado. Mas o corre-corre, culpado pela rejeição ao
travesseiro, cobra seu preço. Mais do que uma ilusão, fugir do sono é
desferir um golpe no próprio corpo. No último congresso mundial de
estudiosos desse assunto, o Sleep, realizado recentemente nos Estados Unidos,
não restaram dúvidas: além de repor a energia, trata-se de um antídoto
contra problemas bem mais graves que as visíveis olheiras.
Mas saiba que o descanso não
exige apenas oito horas sob os lençóis. Ele requer regularidade — sim, o
ideal é adotar um horário para despertar e outro para se deitar. "O
sono também não deve ser fragmentado, ou seja, interrompido muitas vezes
ao longo da noite", avisa o neurologista Rubens Reimão, do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Esses cuidados são cruciais para que o organismo relaxe e cumpra
tarefas exclusivas da madrugada. "É nesse período que produzimos o
hormônio do crescimento, caro à recuperação dos músculos e dos ossos",
diz Reimão. E ainda fabricamos a melatonina, que zela pelas células e dá
corda no relógio biológico. Bem, não vá bocejar justo agora. Trate de
espantar por alguns minutos a vontade de contar carneirinhos e confira o
que a ciência tem comprovado sobre os benefícios de pregar os olhos.
1. O elixir da longa vida
Assim
poderia ser definido o sono — e não há exagero nessa afirmação. Um de
seus efeitos protetores foi revelado por um estudo apresentado no Sleep.
O trabalho acompanhou 5 mil americanos durante oito anos. Os indivíduos
que prezaram um bom descanso noturno tornaram- se menos vulneráveis a
todo tipo de doença. "As pessoas que dormem menos de seis ou mais de
nove horas correm mais risco", conta a líder da pesquisa, Alison Laffan,
da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins.
Quando falamos em sono, nem sempre quantidade espelha qualidade. Ficar
tempo demais debaixo das cobertas pode ser o resultado de uma noite
conturbada e não reparadora. "E essa condição aumenta a pressão
arterial, favorecendo males cardiovasculares", diz a cientista.
2. Em paz com a balança
A batalha para emagrecer parece
invencível? Então avalie como andam suas noites. Existem fortes
indícios de que ficar em claro financie essa derrota. "A privação de
sono faz cair a produção de leptina, o hormônio da saciedade", afirma o
neurologista Luciano Pinto Júnior, presidente da Associação Brasileira do Sono. Quem não apaga como deveria tende a exagerar nas refeições e ainda tem pouca disposição para se exercitar. O excesso de peso,
aliás, costuma ser acompanhado pela apneia, distúrbio marcado por
roncos e interrupções na respiração durante a noite. "Cerca de 50% dos
obesos sofrem dessa doença, que contribui para perpetuar os quilos a
mais", diz a cardiologista Germana Linhares, da Universidade Federal do Ceará.
3. Xô, diabete!
Há alguns anos a insônia é acusada de incentivar esse mal. Um estudo da Universidade do Estado da Pensilvânia,
nos Estados Unidos, encontrou uma nova prova dessa perigosa ligação:
pacientes insones — que têm dificuldades para adormecer ou manter o sono
— estão mais sujeitos ao diabete tipo 2. Outro trabalho realizado em
solo ianque, também discutido no Sleep, concluiu que tanto dormir de
mais como de menos prepara o terreno para o transtorno. Embora nem todos
os mecanismos para justificar esse elo tenham sido decifrados, os
especialistas creem que a privação de sono — intencional ou patológica —
atrapalhe a ação da insulina, o hormônio que leva o açúcar para dentro
das células. Esse seria o primeiro passo para o desenvolvimento do mal
do sangue doce.
4. DNA resguardado
O
código genético é o primeiro da fila a sofrer retaliações pelas noites
maldormidas. Para calcular até que ponto as unidades do genoma se
alteram devido a esse serão às avessas, pesquisadores da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp)
submeteram um grupo de ratos a uma experiência. Eles impediram que os
bichinhos chegassem ao estágio mais profundo do sono, a fase REM,
durante quatro dias. "Ao analisar mais tarde o cérebro dos animais,
notamos mudanças nas expressões de genes ligados à manutenção da
atividade celular e à proteçãocontra radicais
livres", conta Camila Guindalini, uma das autoras. É provável ainda que
tais modificações tenham ocorrido em outros cantos do corpo. Mas o que
aconteceria se, depois desse suplício, os ratos pudessem repousar por 24
horas? Camila e os colegas fizeram o teste. "Apenas 62% dos genes
alterados voltaram ao normal", diz. Agora, a equipe já analisa o impacto
da carência do sono REM em seres humanos. Apesar de ser possível
restabelecer o DNA após um final de semana em claro, esse caminho se
torna sem volta quando a privação de sono é contínua. Afinal, isso pode
corroborar mutações, transformações irreversíveis nos genes que estão
por trás de males degenerativos.
5. Cabeça nota 10
Esta é para você convencer seu filho a largar o computador e ir para a cama antes da meia-noite. Segundo um trabalho da Universidade de Pittsburgh,
nos Estados Unidos, um sono de qualidade aprimora o desempenho
acadêmico. Após avaliar 56 adolescentes, os pesquisadores observaram que
quem dormia pouco ou acordava muito ao longo da noite teve as notas
mais baixas em disciplinas como matemática e línguas. "O repouso
fragmentado é prejudicial porque impede de chegar aos estágios mais
profundos do sono", diz a biomédica Deborah Suchecki, da Unifesp. A
especialista está finalizando um estudo com achados semelhantes.
"Animais que aprendem uma tarefa e são privados de sono têm uma pior
performance quando vão realizá-la", conta. "Mas, se os deixamos dormir,
sua atuação é tão boa quanto a dos animais que não são desprovidos de
descanso."
6. Ideias a mil
Há
dias em que quebramos a cabeça para resolver um problema e, após horas
extenuantes, não conseguimos dar cabo dele. Daí, basta uma bela
adormecida para na manhã seguinte cumprir a tarefa em minutos. Ora,
dormir é um remédio para a criatividade. Quem assina embaixo é a expert
em sono Sara Mednick, da Universidade da Califórnia,
nos Estados Unidos, que acaba de mensurar esse potencial. "Descobrimos
que a fase REM, aquela em que sonhamos, melhora em até 40% a habilidade
de solucionar questões que exigem nosso lado criativo", conta. "Isso
porque nesse estágio ocorrem associações entre ideias que antes estavam
desconexas", explica Mednick. "Durante os sonhos, o cérebro processa os
eventos do dia e se prepara para resolvê-los", comenta Deborah Suchecki.
7. Em prol da memória
Todos
já devem ter ouvido falar que dormir bem é fundamental para a
consolidação das lembranças. Isso é fato. Mas uma pesquisa apresentada
no Sleep pela Universidade Harvard, também em terra americana, atesta
que ela faz toda a diferença na hora de selecionar o que é mais
relevante guardar para o futuro. "À noite o cérebro reprocessa as
informações e passa a armazenar a memória", afirma a neurologista Suzana
Schonwald, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre,
no Rio Grande do Sul. "Ele realiza uma espécie de transferência de
arquivos", compara. Esse serviço permite escolher e fixar as recordações
que conservaremos para o resto da vida
8. Poder anticâncer
A
calada da noite é um momento ímpar para que as forças de defesa se
organizem e estejam aptas a desarticular tumores o mais cedo possível.
Quando estamos aconchegados no travesseiro, nosso corpo libera
substâncias que participam direta ou indiretamente dessa missão. A
melatonina, por exemplo, ativa linhas de combate contra os radicais
livres que lesam o DNA. Como ela é fabricada depois que o sol se põe, é
vital que não troquemos a noite pelo dia. "Estudos apontam que
trabalhadoras noturnas correm mais risco de desenvolver câncer de mama",
exemplifica Rubens Reimão. Não bastasse corrigir falhas genéticas que
culminam na doença, esse apagão temporário (e benéfico) do organismo
retardaria sua evolução.
9. Felizes para sempre
O
casal que se ama deve cuidar da qualidade das suas noites — e não
estamos falando da agitação entre os lençóis. O psicólogo Brant Hasler,
da Universidade de Pittsburgh, constatou, depois de analisar 29 pares,
que um sono irregular patrocina crises conjugais. "Existe um ciclo
vicioso: os parceiros que vivem discutindo dormem mal, e isso, por sua
vez, piora a relação no dia seguinte", explica. "Consideramos um sono
problemático quando os participantes demoravam muito para adormecer e
acordavam várias vezes na madrugada", esclarece Hasler. Para os casais
que estão em pé de guerra, o especialista deixa um conselho: "Tente
resolver os conflitos antes de se deitar, porque eles podem perturbar o
sono, dando continuidade às brigas".
10. Coração forte
Na
verdade, todos os vasos são gratos quando a gente se desliga do plugue à
noite. A retribuição a esse investimento é uma probabilidade bem menor
de ser vitimado por infartos e derrames. "O déficit de sono coloca o
corpo em estado de alerta, o que dispara a produção de hormônios ligados
ao estresse e eleva a pressão arterial, condições favoráveis à doença
cardiovascular", explica a bioquímica Michelle Miller, da Universidade Warwick,
na Inglaterra. Madrugadas turbulentas resultam numa indesejada descarga
de adrenalina na circulação, algo que corrompe a elasticidade das
artérias. Perigo dobrado correm os portadores de apneia do sono. "Ela já
é considerada um fator de risco independente para a hipertensão",
afirma Germana Linhares. E a pressão nas alturas, como você sabe, é o
estopim para ataques cardíacos e cerebrais.
Por
falar nisso, a privação de sono é ainda mais devastadora ao coração
feminino. Foi o que comprovou a pesquisadora Michelle Miller ao analisar
mais de 4 600 ingleses. "Diferentemente dos homens, as mulheres que
dormiam menos de cinco horas por dia apresentavam níveis elevados da
proteína C-reativa no sangue", revela Michelle. Essa molécula é usada
pelos médicos como um marcador do risco cardiovascular porque indica o
grau de inflamação no organismo. "Os processos inflamatórios,
estimulados pelo pouco sono, favorecem a formação de placas nas
artérias", justifica Michelle. Ainda não se sabe por que elas estão mais
suscetíveis à ameaça, mas os marmanjos não devem sair por aí contando
vantagem. Boas noites de sono são imprescindíveis a qualquer um que
pretenda manter a saúde em forma.
Fonte: saude.abril.com.br
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