Quando
perguntado sobre qual deveria ser o principal objetivo de vida das
pessoas, o poeta romano Juvenal (55-127 d.C.) não pensava duas vezes
antes de responder:
mens sana incorpore sano. Ou, do latim para o português, uma mente sã
num corpo são. A frase, repetida à exaustão durante os séculos que
viriam, integrou Sátiras, obra mais famosa do literato. De algum modo, a
antiga citação antecipa um tema que a ciência moderna esmiúça com
afinco: a relação entre o estado de ânimo e a saúde.
Um dos exemplos mais recentes desse interesse acadêmico vem da Universidade da Califórnia, nosEstados Unidos.
Os especialistas da instituição pesquisaram, em idosos com depressão, a
eficiência da vacina contra herpes-zóster, uma infecção que provoca
dores e feridas na pele. Aqueles que sofriam com os quadros depressivos e
não passaram por tratamento medicamentoso tinham, após a injeção, uma
produção menor de anticorpos quando comparados aos velhinhos com a
cabeça em paz. "Nesses casos, a liberação excessiva de hormônios
estressantes, como o cortisol, prejudica a resposta do sistema
imunológico à vacina", explica o endocrinologista Walmir Coutinho, da
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
Meses
depois, os cientistas foram além. Eles testaram o imunizante nos mesmos
indivíduos deprimidos, mas que, após aquele primeiro teste, começaram a
usar remédios para combater a tristeza sem fim. Resultado: a resposta
imunológica foi muito mais consistente, comprovando o benefício do
tratamento psiquiátrico e o papel deletério da doença nas nossas defesas
naturais. "A depressão inicia um processo inflamatório que aumenta o
risco de outras enfermidades darem as caras", resume o clínico geral
Paulo Olzon, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Mas é possível relacionar o achado sobre o herpes-zóster
a outros tipos de vacinas e drogas? Os especialistas entendem que sim.
"Distúrbios emocionais podem restringir a ação de diferentes fármacos
por causa do desequilíbrio de hormônios e neurotransmissores, que fazem a
comunicação entre diversas regiões do organismo", conta o psicólogo
Esdras Vasconcellos, da Universidade de São Paulo (USP).
O
estudo californiano figura como um bom exemplo de uma área que vem
ganhando destaque na medicina, a psiconeuroimunoendocrinologia. Seu
objetivo é compreender como os sistemas nervoso, endócrino e imune se
relacionam entre si e reagem aos estímulos psicológicos, vindos dos
pensamentos e da interação com o ambiente. "Os quatro complexos
conversam por meio de receptores, hormônios, neurotransmissores e outras
moléculas. O equilíbrio entre eles é fundamental para que o corpo
funcione direito", diz o imunologista Momtchilo Russo, do Instituto de
Ciências Biomédicas da USP.
Essa
discussão pode ser ampliada para outros problemas típicos da vida
moderna, como o estresse. Uma investigação da Universidade Carnegie
Mellon, nos Estados Unidos, expôs 276 voluntários tensos a um resfriado
comum. Testes de sangue comprovaram que o contra-ataque imunológico ao
agente invasor era mais fraco em relação a indivíduos que se diziam
relaxados. A pesquisa concluiu que o nervosismo é capaz de interferir
diretamente nas linhas de defesa do organismo.
Vamos
tomar como exemplo um sujeito que acaba de receber a notícia da morte
de um familiar de quem gostava muito. Num primeiro momento, a informação
é encaminhada para a cabeça a fim de dar uma interpretação ao fato, o
que acontece em frações de segundo. Algumas das áreas acionadas são as
que processam nossas memórias — é uma tentativa de estabelecer um
paralelo entre a nova informação e situações similares vividas no
passado. "O fato também atinge a amígdala, estrutura cerebral que vai
julgar a sua importância emocional. Se for considerado grave, é
disparada uma série de reações, que passam pelo hipotálamo e pela
hipófise", relata o psicobiólogo Ricardo Monezi, da Unifesp.
Depois
de todo esse processo, a massa cinzenta lança na circulação o
adrenocorticotrófico, molécula que viaja até as glândulas suprarrenais,
localizadas acima dos rins, e estimula a produção de hormônios do
estresse, como o cortisol. As substâncias enervantes, então, caem no
sangue, onde incidem sobre os linfócitos, as principais células de
defesa do corpo. O mecanismo pode se repetir diversas vezes, com
prejuízos incontáveis para a saúde.
Assim
como a diferença entre o veneno e o antídoto é a dose, a quantidade de
cortisol perambulando nos vasos determina se sua ação será boa ou ruim.
"O aumento prolongado dos seus níveis implica uma redução da competência
do sistema imunológico no combate a agentes agressores", descreve o
psiquiatra William Dunningham, da Universidade Federal da Bahia. "Isso
faz com que indivíduos persistentemente estressados fiquem vulneráveis
às infecções virais e bacterianas e inclusive ao surgimento de tumores",
completa. Na contramão, quando esse hormônio é secretado em pequenas
porções durante eventos isolados, contribui para a manutenção dos
anticorpos e até mesmo da memória e do cérebro como um todo.
Nem tudo são lágrimas
Para
tratar quadros leves de estresse, ansiedade e depressão, os médicos
apostam em terapias alternativas como meditação, ioga e acupuntura.
"Também procure investir numa alimentação adequada, priorizando fontes
ricas em selênio e zinco, dois protetores do sistema de defesa",
recomenda a alergologista Ana Paula Moschioni, diretora da Associação
Brasileira de Alergia e Imunopatologia. Castanhas e frutos do mar,
respectivamente, são opções ricas nesses minerais.
Para
prevenir chateações, vale manter o bom humor sempre que possível. As
gargalhadas atenuam a ação dos hormônios estressantes, ao mesmo tempo
que fazem liberar substâncias para ajudar a manter a alegria em alta,
como a dopamina e a endorfina. "Pessoas otimistas desenvolvem anticorpos
a vacinas duas a três vezes mais rápido do que pessimistas", ressalta
Monezi. De acordo com o pesquisador, amar (e ser amado) e realizar um
trabalho voluntário também estão na lista de atitudes que garantem uma
mente sã num corpo são.
Tensão à flor da pele
Quando
o nervosismo ou a tristeza passam dos limites, a pele é um dos órgãos
que mais sofrem. "É comum que pessoas com distúrbios emocionais se
cocem, arranquem cabelos e tentem, compulsivamente, espremer espinhas e
cravos", exemplifica o dermatologista Roberto Azambuja, coordenador do
Departamento de Psicodermatologia da Sociedade Brasileira de
Dermatologia. A bagunça nos hormônios ainda faz a acne ficar frequente.
Leva e traz - As substâncias abaixo estão por trás do forte elo entre mente e corpo
Cortisol - Reconhecido
como um dos hormônios do estresse, é produzido nas glândulas
suprarrenais, que ficam logo acima dos rins. Em situações normais, o
cortisol prepara o corpo para casos de perigo e emergência, elevando a
pressão arterial e a oferta de açúcar no sangue.
Adrenalina - Também
secretada pelas suprarrenais, compõe o time dos hormônios estressantes.
Convocada em momentos de emoções fortes, deixa o organismo pronto para
tomar uma atitude. Para isso, acelera as batidas do coração, estreita os
vasos sanguíneos e prepara os músculos para a ação.
Noradrenalina - Fabricada
nas glândulas que moram sobre os rins, tem influência direta no sono,
no aproveitamento de nutrientes e no humor. Quando seus níveis estão
equilibrados, contribui para que a pressão fique dentro dos conformes.
Em períodos de tensão, o excesso da partícula está por trás da
ansiedade.
Dopamina - Ela
é recrutada pelo cérebro em situações prazerosas, que merecem ser
repetidas. Na quantidade correta, a dopamina tem a função de regular o
aprendizado, o desenvolvimento cognitivo, a memória e a qualidade do
sono. A falta do neurotransmissor está relacionada à depressão e à doença de Parkinson.
Endorfina - Assim
como a dopamina, traz a sensação de bem-estar. Sintetizado pela
hipófise, na cabeça, o neurotransmissor é responsável por gerar
sensações eufóricas, o que, por sua vez, atenua a tensão e até as dores
físicas. Em taxas normais, fortalece o sistema imunológico e proporciona
disposição para o corpo e a mente.
Fonte: saude.abril.com.br
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