A
presença de borboletas no estômago é um dos sinais clássicos da paixão.
Os poetas encontraram no farfalhar de asas a metáfora perfeita para
aquele rebuliço abdominal comum ao bater os olhos na pessoa amada. Mas,
se fôssemos mais precisos (e um pouco menos literários) em matéria de
corpo humano, teríamos de dizer que uma borboleta pousaria mesmo em
outro órgão. Lá na região da garganta. É ali que fica a tireoide,
glândula com o formato do inseto que orquestra o funcionamento do
organismo — e influencia, inclusive, nossas emoções.
Foi
pensando em resguardar a tireoide que a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária, a Anvisa, mandou reduzir recentemente o teor de iodo do sal
de cozinha. As taxas, que antes ficavam entre 20 e 60 miligramas por
quilo, precisam se adaptar à nova faixa, de 15 a 45 miligramas. O
corte, segundo a
entidade, tem a ver com o aumento de casos de hipotireoidismo,
distúrbio que prejudica a produção dos hormônios pela glândula. "A
doença desacelera o metabolismo, gerando fadiga, sonolência, depressão e
raciocínio vagaroso. E o iodo em excesso é um gatilho para o seu
surgimento", diz a endocrinologista Roberta Frota, do Hospital Nove de
Julho, em São Paulo. A Anvisa resolveu agir com base em estatísticas
preocupantes: o brasileiro consome, em média, 12 gramas de sal todos os
dias. "É um exagero se considerarmos a recomendação da Organização
Mundial da Saúde, de apenas 5 gramas", contextualiza Paula Bernadete
Ferreira, especialista em regulação e vigilância sanitária da agência.
O
abuso do condimento nas refeições elevou, por sua vez, a porção de iodo
no prato dos cidadãos. "A iodação do sal foi calculada pensando em uma dieta de
9 gramas diárias de sal e está, portanto, defasada. Essa resolução da
Anvisa não poderia ser mais adequada", elogia o endocrinologista Geraldo
Medeiros, professor sênior da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo. A medida, porém, dividiu opiniões. A Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia criticou a nova regra. "O foco deveria
estar na quantidade de sal que o brasileiro ingere", analisa a
endocrinologista Gisah Amaral, vice-presidente do Departamento de
Tireoide da sociedade. "Ainda nos causa mais preocupação a falta de
iodo, que pode trazer complicações, principalmente na gestação e nos
primeiros anos de vida", justifica.
Nem
só o iodo deixa a tireoide lenta. Os cientistas possuem uma lista de
suspeitos envolvidos nessa história. "Ainda não está totalmente
demonstrada a relação entre hábitos e componentes químicos com o
hipotireoidismo", ressalva Medeiros. Mas não faltam estudos procurando
evidências sobre seu papel no colapso da glândula. Uma das investigações
mais recentes procurou estabelecer o impacto da poluição na tireoide. A
pesquisa, da Faculdade de Medicina do ABC, na Grande São Paulo,
acompanhou mais de 6 mil pessoas durante 15 anos. Elas foram divididas
em dois grupos. O primeiro morava perto de um parque industrial
petroquímico, enquanto o segundo habitava uma área residencial menos
poluída. Em 1992, cerca de 2% dos indivíduos que viviam nas cercanias
das fábricas — e travavam contato com poluentes — tinham
hipotireoidismo. Em 2001, a quantidade de pessoas com a mesma doença
nessa região subiu para 57%. Já na área com menos sujeira no ar, as
taxas não tiveram modificações tão gritantes. "É como se a tireoide não
soubesse se proteger dos agentes químicos e, ao tentar reagir,
prejudicasse a si mesma", ensina a neuroendocrinologista Maria Angela
Zaccarelli, autora do trabalho.
Se
poluentes disparariam distúrbios na glândula em pessoas predispostas, o
que dizer de remédios e produtos de limpeza? "Alguns medicamentos, como
xaropes expectorantes, contêm iodo. E o mesmo vale para certos
desinfetantes que, em contato com a pele, podem passar o mineral para o
organismo", alerta a endocrinologista Tania Furlanetto, da Universidade
Federal do Rio Grande o Sul. Nesses casos, a saída é consultar o médico
e, na hora de limpar a casa, investir em luvas.
Potes
plásticos e panelas antiaderentes também geram polêmica. "Existe uma
suspeita de que esses utensílios soltariam compostos tóxicos que atingem
a tireoide", desconfia o endocrinologista Luciano Giacaglia, do Hospital Alemão
Oswaldo Cruz, na capital paulista. Outro inimigo em potencial se
esconde sob a vida conturbada das grandes cidades. "Toda vez que o corpo
passa por um estresse, há uma resposta do sistema imune, que pode
afetar a glândula", especula Giacaglia. Enquanto a ciência levanta dados
para bater o martelo, convém relaxar e, como sugerem pesquisas
recentes, tentar escapar da poluição e maneirar no sal. Tudo para a
borboleta continuar na ativa, isto é, fabricando seus hormônios.
Se hoje é farto, ontem faltava
A
deficiência de iodo foi um grave problema de saúde pública no século
20. A carência do mineral estava por trás do bócio, um inchaço na região
da garganta, e até retardo mental em bebês. Embora a iodação do sal no
Brasil para mudar esse panorama tenha começado nos anos 1950, a primeira
lei nacional sobre o assunto é de 1995. E os resultados são
incontestes: os casos de bócio em crianças caíram de 20,7% em 1955 para
1,4% em 2000.
Fonte: saude.abril.com.br
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