Repare na quantidade de informações sobre o seu
interlocutor fornecidas por uma simples conversa ao telefone. Sem vê-lo
dá para presumir se é homem ou mulher, paulista ou gaúcho, jovem ou
maduro, se está feliz ou triste, se anda disposto ou abatido... Talvez
seja a voz, e não os olhos, o verdadeiro espelho da alma. A questão é
que a nossa marca sonora registrada, tão singular quanto as impressões
digitais, carece de cuidados para não falhar no dia a dia. E qualquer
ruído que ouse enferrujá-la por certo tempo merece ser eliminado.
Com
o propósito de despertar a atenção para o assunto e organizar a conduta
dos especialistas, a Academia Americana de Otorrinolaringologia acaba
de publicar novas diretrizes de tratamento do tormento vocal mais comum
no planeta, a rouquidão. "Ela é, na verdade, uma sujeira da voz", define
Mara Behlau, coordenadora do Departamento de Voz da Sociedade
Brasileira de Fonoaudiologia. Sujeira que deve ser removida da garganta.
"Um dos nossos objetivos é aumentar o conhecimento sobre as causas do
problema, além de alertar que ele tem de ser levado a sério, porque pode
acusar algo mais grave", declara a SAÚDE! Seth Schwartz, líder do
trabalho. E de pensar que a voz rouca já foi um dos atributos das
atrizes mais sensuais do cinema…
"Se a rouquidão persistir por
cerca de 15 dias, é preciso procurar um médico", avisa Mara. Só ele pode
decifrar o motivo da aspereza. Para tanto, conta com um velho e
eficiente exame: a laringoscopia. "Introduzimos um instrumento rígido na
boca do paciente ou um tubo flexível em seu nariz para visualizar a
laringe e verificar o que há de errado", descreve o
otorrinolaringologista Luciano Neves, da Universidade Federal de São
Paulo. As autoridades americanas também levantam uma bandeira contra a
automedicação — erro típico de quem convive com a garganta irritada.
"Pretendemos reduzir o uso inapropriado de anti-inflamatórios e
antibióticos, que oferece riscos ao corpo inteiro", diz Schwartz.
Mas
o que será que povoa a voz de ruídos? "Em primeiro lugar estão os
abusos vocais", responde o otorrinolaringologista Domingos Tsuji, do HC
paulistano. Cometem esse delito as pessoas que, em uma festa ou na
torcida de futebol, gritam sem parar ou que, ainda, precisam falar por
horas a fio. Não por menos, professores, radialistas e operadores de
telemarketing encabeçam a fila dos que enfrentam o transtorno. O abuso
da voz é gatilho para a formação de nódulos, popularmente chamados de
calos — a causa número 1 da rouquidão.
Logo após o diagnóstico,
porém, uma faxina comandada por um fonoaudiólogo consegue liquidá-los.
"A reabilitação de voz é a primeira opção de tratamento, desde que não
seja detectado um problema mais grave, como um tumor", diz Mara Behlau.
"São exercícios orientados de acordo com o laudo do paciente, que podem
trabalhar a respiração, a dicção e a vibração das pregas vocais",
explica a fonoaudióloga Carla Cielo, da Universidade Federal de Santa
Maria, no interior gaúcho. "A terapia é capaz até de promover a
reabsorção do nódulo", completa. Alguns casos, porém, requerem cirurgia —
e o bisturi ainda é a solução para outros tipos de lesão que acometem
as cordas. A rouquidão também costuma ser consequência de infecções
respiratórias. Em gripes e resfriados, além de repouso, podem ser
receitadas drogas para barrar os micróbios e a inflamação que
aterrorizam a garganta.
Talvez você pergunte: a rouquidão sempre
sinaliza perigo? Depende. Há quem ostente desde pequeno, por um
capricho da natureza, um tom suavemente rouco. Também é compreensível
que as cordas vocais reajam após um baile de Carnaval, por exemplo —
mas, aí, a aspereza é passageira. E lembre-se: com o avançar da idade,
elas se tornam mais frágeis e suscetíveis às intempéries.
Só não
vale tachar de inocente uma rouquidão que surge do nada e não cede.
"Ela pode ser o sintoma inicial de um câncer de laringe", alerta Ronaldo
Frizzarini, da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia.
"Infelizmente, o Brasil é o vice-campeão mundial na incidência desse
tumor, relacionado ao tabagismo e ao consumo excessivo de álcool." Se
descoberto cedo, porém, são altas as chances de cura. A mensagem, que
deve ser divulgada em alto e bom som, é desconfiar de um martírio vocal
prolongado e adotar os hábitos listados nesta reportagem, que afastam a
poluição sonora na garganta. Sua voz agradece — e isso vai dar o que
falar.
0 comentários:
Postar um comentário