Ao buscar informações sobre o diabete,
distúrbio que atinge mais de 350 milhões de pessoas ao redor do planeta,
geralmente deparamos com a seguinte afirmação: enquanto o tipo 1
aparece na juventude, o 2 fica restrito aos indivíduos com mais de 40
anos — não à toa, ele até ganhou a denominação de diabete de adultos.
Nos últimos anos, porém, a epidemia de obesidade deu uma sacudida nesse
cenário. Afinal, o acúmulo de gordura, um dos grandes patrocinadores do
diabete tipo 2, deixou de ser assunto exclusivo de gente grande. Como
consequência, essa versão começou a dar as caras nos mais novinhos, fato
que não passou despercebido pela Academia Americana de Pediatria.
Recentemente, a entidade lançou a primeira diretriz para o tratamento da
doença em crianças e adolescentes.
Para os especialistas,
o documento vem em boa hora. "Ele irá direcionar as condutas em uma
situação que está crescendo em várias partes do mundo", analisa o
endocrinologista Luiz Eduardo Calliari, da Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo. Nos Estados Unidos, berço do manual, a cada
três casos de diabete diagnosticados na mocidade, um é do tipo 2. "Além
da obesidade, temos a questão da etnia, visto que a doença acomete mais
negros e hispânicos. Ou seja, o problema ainda é mais ligado à
realidade americana", lembra Balduíno Tschiedel, presidente da Sociedade
Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).
No
Brasil, o panorama não chega a ser tão alarmante como na terra do Tio
Sam. Contudo, temos seguido o comportamento alimentar da meninada
americana, então não é precipitado concluir que os riscos de chegarmos
lá são altíssimos. Inclusive, damos os primeiros passos nessa direção. A
prova vem do Instituto da Criança com Diabetes, em Porto Alegre, no Rio
Grande do Sul, comandado por Tschiedel. "Há uma década, não víamos o
diabete tipo 2 na infância e adolescência. Hoje, entre os 2 500 jovens
que tratamos, 80 têm essa condição", relata o médico.
Tomar
conhecimento dessa ascensão é fundamental tanto para os profissionais
de saúde como para os pais. Isso porque o diabete tipo 2 é uma desordem
sorrateira, capaz de ficar oculta — e causando estragos — por anos a
fio. Bem diferente do diabete tipo 1. Nesse caso, a doença é autoimune,
caracterizada por um ataque do próprio corpo a determinadas células do
pâncreas, o que impede o órgão de fabricar insulina. Com a glicose dando
sopa na corrente sanguínea, o paciente mirim sente muita sede e faz
várias visitas ao banheiro para urinar. "É impossível um diabético tipo 1
ficar sem o diagnóstico. O pâncreas praticamente para", informa o
endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
O tipo 1 é
mesmo bem diferente do diabete tipo 2, um distúrbio metabólico cuja
marca registrada é uma resistência à ação da insulina. Isso quer dizer
que o hormônio é produzido, mas se mostra inábil na tarefa de abrir a
porta da célula para a glicose entrar. Antes de o transtorno se instalar
de vez, o pâncreas até chega a trabalhar dobrado para ampliar o
exército de insulina e, assim, quebrar a barreira. Só que ele não
consegue fazer isso por muito tempo. Daí vem o diabete.
A
explicação nos toma somente um parágrafo, entretanto não se iluda. Até
esse desajuste dar seus sinais, muitas vezes se passam mais de cinco
anos. "Quando a confirmação do quadro finalmente acontece, cerca de 70%
do pâncreas está deteriorado", estima Couri. Sem falar nas complicações
crônicas que podem aparecer nos anos seguintes. "Há aumento nos riscos
de infarto, insuficiência renal e cegueira", lista Tschiedel, da Sbem.
Agora, se o diagnóstico já é preocupante por volta dos 60 anos, imagine
na casa dos 15. Por isso a importância de entender que o diabete tipo 2
também merece cuidado nas primeiras décadas de vida.
Checkup nos pequenos
O
primeiro passo para flagrar o problema na juventude é ficar atento a um
de seus principais desencadeadores: o sobrepeso. Então, nada de
amenizar a condição com a prerrogativa de que a criança vai espichar.
"Tem também o antecedente familiar", acrescenta Calliari, da Santa Casa.
Frente a essa combinação — ou apenas a um dos fatores —, o pediatra já
pode pedir o exame de glicose e um teste oral de tolerância à
substância. O primeiro é feito em jejum. O segundo, por sua vez,
consiste no consumo de um açúcar chamado dextrosol e a dosagem glicêmica
após duas horas. "Alguns pacientes não apresentam alteração em jejum.
Mas, ao tomar um copão de açúcar, o pâncreas é incapaz de barrar a
elevação da glicose", justifica Couri.
Se os resultados
indicarem que não há motivo para preocupação, recomenda-se repetir a
análise em três anos. Até porque procurar ativamente por descompassos no
sobe e desce da glicose alavanca a chance de identificar o pré-diabete —
quando a insulina começa a não exercer seu trabalho. E o reconhecimento
e a intervenção precoces postergam o diagnóstico da doença propriamente
dita.
Cabe frisar, porém, que o diabete tipo 2 costuma
ser mais intenso nos jovens. "Ele dá mais indícios do que quando aparece
em adultos. Por isso se confunde com o tipo 1", esclarece a
endocrinologista Rosângela Réa, do Hospital Pequeno Príncipe, em
Curitiba. Na dúvida, o guia americano indica aplicar insulina sem
delonga. "O diabético 1 não pode esperar e, para quem tem o 2, o
hormônio não faz mal", diz o presidente da Sbem.
Mas, se
ficar claro que o garoto ou a garota têm realmente o tipo 2, o ideal é
tratar com metformina, medicamento que reduz a resistência insulínica.
Concomitantemente a isso, é necessário mudar o estilo de vida. Além de
uma dieta saudável e menos gordurosa, a Academia Americana de Pediatria
sugere que os pequenos se exercitem todo dia, por pelo menos uma hora. É
que emagrecer faz a doença regredir.
Só não se deve
deixar as alterações de hábito parecerem tortura. Em pesquisa publicada
na revista da Associação Médica Brasileira, da editora Elsevier, a
educadora física Lisiane Poeta mostrou o seguinte: crianças obesas que
cumpriram um programa lúdico de reabilitação cardiopulmonar perderam
muito mais peso do que os coleguinhas. "Elas jogaram bola, brincaram na
cama elástica, nadaram...", descreve Isabela Giuliano, professora do
Departamento de Pediatria da Universidade Federal de Santa Catarina e
coorientadora da investigação. São os mesmos estímulos indispensáveis
para tratar e prevenir o diabete nessa fase. Apesar de séria, a doença
não pode acabar com a graça da infância.
Fonte: saude.abril.com.br
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