A temperatura sobe, as chuvas começam a cair
no final das tardes e, aí, soa o alarme: cuidado, lá vem a dengue. A
história se repete a cada fim e início de ano e, a despeito das medidas
sanitárias tomadas pelos governos e pela população, o mosquito Aedis
aegypti consegue se reproduzir e ganhar os ares propagando o vírus entre
milhares de brasileiros por meio das suas picadas.
"Hoje há um
consenso entre as autoridades de saúde de que é impossível eliminar de
uma vez por todas o inseto que transmite a doença", afirma o
infectologista Stefan Cunha Ujvari, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em
São Paulo, um estudioso da evolução das epidemias. Ninguém nega que as
campanhas de conscientização e combate ao vetor do bicho se refletem em
uma queda no número de vítimas, mas também é fato que, sozinhas, elas
não são capazes de purgar a doença — e essa invencibilidade, aliás, nos
remete ao crescimento desordenado de algumas cidades, que continua
fomentando a aparição e a permanência dos criadouros do mosquito.
Daqui
a poucos anos, porém, esse panorama negro tem tudo para mudar. Se não
dá para exterminar o inseto, por que não ensinar o sistema imune humano a
se defender do vírus? Esse é o objetivo de uma vacina contra os quatro
tipos do microorganismo, que já está na etapa final de testes. O
produto, do laboratório francês Sanofi-Pasteur, é o candidato mais
avançado entre os imunizantes do gênero e passa por estudos de eficácia,
cujos primeiros resultados sairão no próximo ano. "A vacina foi
aplicada em mais de 15 mil pessoas ao redor do mundo e, ao final do
programa, teremos 45 mil", informa Pedro Garbes, diretor regional de
pesquisa e desenvolvimento para a América Latina da farmacêutica.
Os
testes também já começaram no Brasil e abrangem 4 mil voluntários. Dois
trabalhos seguem em curso para analisar a segurança e a eficiência da
fórmula francesa. "Imunizamos jovens de 9 a 16 anos, justamente a faixa
etária com perfil de maior gravidade para a dengue", conta o
infectologista Reynaldo Dietze, que comanda os estudos na Universidade
Federal do Espírito Santo, uma das participantes. "A vacina tem se
mostrado bastante segura e com poucos efeitos colaterais", adianta.
A
nova leva de investigações, conduzidas em 15 países, incluindo o nosso —
também estão presentes Austrália, Estados Unidos e nações do sudeste
asiático e da América Latina —, quer saber agora até que ponto o
imunizante protege. "Por ora, os dados sugerem que ele funciona, mas só
estudos desenhados especialmente para isso irão determinar e mensurar
sua eficácia", pondera Garbes.
Quem vê essa promessa de fora
talvez não imagine as dificuldades que envolvem a criação da vacina.
"Ela é fruto de mais de meio século de trabalho", diz Garbes — virando a
página, você entende, em um infográfico, como é produzida para debelar a
dengue.
Obter uma vacina antidengue é uma tarefa tão hercúlea
por causa de alguns obstáculos impostos pela natureza. Para começo de
conversa, não há modelos animais 100% convincentes para avaliar a
fórmula. "Isso porque mesmo macacos não desenvolvem o quadro mais grave
da infecção", diz Pedro Garbes. Além disso, de nada adianta aprontar um
imunizante que bloqueie apenas uma das espécies, por assim dizer, do
vírus. Se a gente pega dengue 1, por exemplo, só cria anticorpos contra
esse vírus e eles não funcionam para barrar os outros tipos.
"O
problema é que, ao sofrer uma segunda infecção, por outro vírus, o
sistema imune pode potencializar a agressão, favorecendo a forma
hemorrágica", avisa Stefan Ujvari. "Desse modo, um imunizante que
combatesse somente os tipos 1 e 2 ameaçaria ainda mais quem pegasse os
tipos 3 e 4", argumenta o infectologista pediátrico Luis Carlos Rey,
pesquisador da Universidade Federal do Ceará. Esse raciocínio nos ajuda a
compreender também por que, a cada verão, costuma mudar o inimigo que
assusta determinada região — afinal, no ano anterior, as pessoas picadas
pelo mosquito criaram imunidade contra o vírus daquela estação.
O
perigo sumiria do mapa diante da proposta do modelo de vacina
tetravalente, visto que o organismo seria estimulado a bolar uma defesa
completa. Mas, como já dissemos, o imunizante, que requer três doses com
intervalos de seis meses, ainda passará por provas e terá que responder
a uma série de perguntas. "Uma das dificuldades é que a vacina precisa
de cerca de um ano e meio para conferir uma proteção satisfatória contra
os quatro sorotipos. Isso pode ser um problema quando lidamos com
regiões endêmicas", avalia a bióloga Ada Maria Alves, da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro.
Aliás, o produto da
Sanofi-Pasteur, embora seja o mais próximo de ser aprovado para uso, não
é o único que pretende acabar com a dengue. Há outras versões,
semelhantes ou diferentes, estudadas mundo afora. Na Fiocruz, por
exemplo, já se investiga uma estratégia que une uma fórmula parecida com
a do laboratório francês a uma vacina à base de DNA. "Nos testes com
camundongos, a combinação demonstrou que funciona melhor que os modelos
isolados", conta Ada Maria. A questão é que levará um bom tempo até ela
começar a labutar no corpo humano.
A perspectiva de um imunizante
contra esse mal tão íntimo do brasileiro também não significa que,
quando ele chegar aos hospitais, todos poderão deixar o mosquito de
lado. "Os cuidados com o vetor continuam, sobretudo no início do esquema
vacinal", analisa Rey. E, claro, enquanto não dispomos desse recurso,
convém eliminar os criadouros do inseto — aqueles locais e utensílios
que podem abrigar água parada — e correr para o pronto-socorro diante da
suspeita da doença. "Buscamos capacitar mais profissionais de saúde e
usar inclusive as redes sociais para ampliar a vigilância", diz
Giovanini Coelho, coordenador do Programa Nacional de Controle da Dengue
do Ministério da Saúde. Os inseticidas e larvicidas empregados pelos
serviços municipais ajudam, mas precisam ser utilizados com
inteligência, uma vez que oferecem riscos à população. E, além de cada
um cumprir o seu dever, vale torcer pelo sucesso da vacina. Quando ela
chegar, o verão será, sem dúvida, bem mais tranquilo.
Da
transmissão ao ataque Há quatro tipos do vírus da dengue e eles são
transmitidos para o ser humano na picada da fêmea do mosquito Aedis
aegypti, que bota seus ovos em recintos com água limpa e parada. Uma vez
dentro do corpo, o micro-organismo se reproduz na medula óssea, no
fígado, no intestino e nos gânglios. Quando uma grande carga viral é
despejada na circulação, há febre e dois dos seguintes sintomas: dor de
cabeça, nas juntas ou pelo corpo, diarreia ou náuseas e vômito. Embora
haja casos que até passem batidos, a dengue pode evoluir para a forma
hemorrágica, quando a resposta desencadeada pelo vírus no corpo causa
lesões nos vasos, e a água do sangue transborda para fora deles,
provocando complicações. A chave para escapar delas é o atendimento
médico rápido.
Fonte: saude.abril.com.br
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