Silencioso.
Todo médico recorre a esse adjetivo para descrever o ataque do inimigo
que carrega, em sua ficha criminal, a denúncia de ser o maior
responsável por um colapso no fígado. Descoberto há 20 anos, o vírus da
hepatite C está na lista dos bandidos que assaltam o corpo sem dar
bandeira durante décadas e, quando são flagrados, já causaram
consideráveis estragos. Hoje o réu, que se vale do sangue para
contaminar suas vítimas, não responde tanto por novos contágios. Desde
que foram adotadas medidas de segurança, como uma triagem mais rigorosa
nas transfusões nos anos 1990 e a consolidação do emprego de agulhas
descartáveis, a transmissão despencou.
A
questão, porém, é que milhões de brasileiros entraram em contato com o
VHC, a sigla que classifica o infeliz, antes desse período e só agora
sofrem as retaliações da invasão. "Vivenciamos atualmente uma epidemia
de diagnósticos", sentencia o infectologista Evaldo de Araujo, do
Laboratório de Hepatites Virais do Hospital das Clínicas de São Paulo.
"O problema é que muitos casos ainda são detectados tardiamente",
constata Ricardo Gadelha, coordenador do programa de hepatites virais
do Ministério da Saúde. A essa altura, o fígado já foi assolado por uma cirrose ou por um câncer. Aí, a única solução é o transplante.
Só
que os atentados ao corpo não se restringem a esse órgão. Os
especialistas colhem cada vez mais provas de que a forma crônica da
hepatite C abre caminho ao diabete tipo 2. "Há algum tempo já percebemos
que a prevalência desse distúrbio em portadores de hepatite é muito
alta", diz o hepatologista Edison Parise, da Universidade Federal de São
Paulo. Até o momento, existem duas explicações para o elo, e tudo
depende da identidade do vilão que se apodera do fígado. "O vírus do
tipo 3 induz a resistência à insulina, o fenômeno que antecede o
diabete", explica Parise. "Já as versões 1 e 2 estão relacionadas ao
acúmulo de gordura na glândula, condição que também favorece a doença."
Aliás, o processo de engorda do fígado é marca registrada em quase 70%
dos pacientes de hepatite.
Os
médicos têm bons motivos para dar ordem de prisão ao vírus o mais cedo
possível. "Quando ele é eliminado, a resistência à insulina desaparece",
exemplifica Parise. Evitar que o malfeitor tenha condições de prosperar
é o jeito de impedir o depósito de gordura no fígado e, de quebra, o
próprio diabete. "E esses fatores favorecem a progressão da hepatite em
si, propiciando graves lesões hepáticas", alerta Parise. "O câncer de
fígado é de três a quatro vezes mais frequente em quem apresenta ambas
as doenças."
Ora,
já deu para notar que o sucesso da caçada depende de um diagnóstico
precoce. "Todo indivíduo que se submeteu a uma transfusão de sangue
antes de 1993, envolveu-se em acidentes com agulhas ou compartilhou
seringas deve fazer o exame que acusa o vírus", avisa Ricardo Gadelha.
Mas não dá para se fiar na memória nem no excesso de confiança. "Entre
25 e 30% dos pacientes não sabem como contraíram a doença", revela a
hepatologista Rosângela Teixeira, da Universidade Federal de Minas Gerais, que coordena um estudo pioneiro sobre o impacto das hepatites na população mineira.
Fonte: saude.abril.com.br
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