quinta-feira, 4 de julho de 2013


A temperatura sobe, as chuvas começam a cair no final das tardes e, aí, soa o alarme: cuidado, lá vem a dengue. A história se repete a cada fim e início de ano e, a despeito das medidas sanitárias tomadas pelos governos e pela população, o mosquito Aedis aegypti consegue se reproduzir e ganhar os ares propagando o vírus entre milhares de brasileiros por meio das suas picadas.

"Hoje há um consenso entre as autoridades de saúde de que é impossível eliminar de uma vez por todas o inseto que transmite a doença", afirma o infectologista Stefan Cunha Ujvari, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, um estudioso da evolução das epidemias. Ninguém nega que as campanhas de conscientização e combate ao vetor do bicho se refletem em uma queda no número de vítimas, mas também é fato que, sozinhas, elas não são capazes de purgar a doença — e essa invencibilidade, aliás, nos remete ao crescimento desordenado de algumas cidades, que continua fomentando a aparição e a permanência dos criadouros do mosquito.

Daqui a poucos anos, porém, esse panorama negro tem tudo para mudar. Se não dá para exterminar o inseto, por que não ensinar o sistema imune humano a se defender do vírus? Esse é o objetivo de uma vacina contra os quatro tipos do microorganismo, que já está na etapa final de testes. O produto, do laboratório francês Sanofi-Pasteur, é o candidato mais avançado entre os imunizantes do gênero e passa por estudos de eficácia, cujos primeiros resultados sairão no próximo ano. "A vacina foi aplicada em mais de 15 mil pessoas ao redor do mundo e, ao final do programa, teremos 45 mil", informa Pedro Garbes, diretor regional de pesquisa e desenvolvimento para a América Latina da farmacêutica.

Os testes também já começaram no Brasil e abrangem 4 mil voluntários. Dois trabalhos seguem em curso para analisar a segurança e a eficiência da fórmula francesa. "Imunizamos jovens de 9 a 16 anos, justamente a faixa etária com perfil de maior gravidade para a dengue", conta o infectologista Reynaldo Dietze, que comanda os estudos na Universidade Federal do Espírito Santo, uma das participantes. "A vacina tem se mostrado bastante segura e com poucos efeitos colaterais", adianta.

A nova leva de investigações, conduzidas em 15 países, incluindo o nosso — também estão presentes Austrália, Estados Unidos e nações do sudeste asiático e da América Latina —, quer saber agora até que ponto o imunizante protege. "Por ora, os dados sugerem que ele funciona, mas só estudos desenhados especialmente para isso irão determinar e mensurar sua eficácia", pondera Garbes.

Quem vê essa promessa de fora talvez não imagine as dificuldades que envolvem a criação da vacina. "Ela é fruto de mais de meio século de trabalho", diz Garbes — virando a página, você entende, em um infográfico, como é produzida para debelar a dengue.

Obter uma vacina antidengue é uma tarefa tão hercúlea por causa de alguns obstáculos impostos pela natureza. Para começo de conversa, não há modelos animais 100% convincentes para avaliar a fórmula. "Isso porque mesmo macacos não desenvolvem o quadro mais grave da infecção", diz Pedro Garbes. Além disso, de nada adianta aprontar um imunizante que bloqueie apenas uma das espécies, por assim dizer, do vírus. Se a gente pega dengue 1, por exemplo, só cria anticorpos contra esse vírus e eles não funcionam para barrar os outros tipos.

"O problema é que, ao sofrer uma segunda infecção, por outro vírus, o sistema imune pode potencializar a agressão, favorecendo a forma hemorrágica", avisa Stefan Ujvari. "Desse modo, um imunizante que combatesse somente os tipos 1 e 2 ameaçaria ainda mais quem pegasse os tipos 3 e 4", argumenta o infectologista pediátrico Luis Carlos Rey, pesquisador da Universidade Federal do Ceará. Esse raciocínio nos ajuda a compreender também por que, a cada verão, costuma mudar o inimigo que assusta determinada região — afinal, no ano anterior, as pessoas picadas pelo mosquito criaram imunidade contra o vírus daquela estação.

O perigo sumiria do mapa diante da proposta do modelo de vacina tetravalente, visto que o organismo seria estimulado a bolar uma defesa completa. Mas, como já dissemos, o imunizante, que requer três doses com intervalos de seis meses, ainda passará por provas e terá que responder a uma série de perguntas. "Uma das dificuldades é que a vacina precisa de cerca de um ano e meio para conferir uma proteção satisfatória contra os quatro sorotipos. Isso pode ser um problema quando lidamos com regiões endêmicas", avalia a bióloga Ada Maria Alves, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro.

Aliás, o produto da Sanofi-Pasteur, embora seja o mais próximo de ser aprovado para uso, não é o único que pretende acabar com a dengue. Há outras versões, semelhantes ou diferentes, estudadas mundo afora. Na Fiocruz, por exemplo, já se investiga uma estratégia que une uma fórmula parecida com a do laboratório francês a uma vacina à base de DNA. "Nos testes com camundongos, a combinação demonstrou que funciona melhor que os modelos isolados", conta Ada Maria. A questão é que levará um bom tempo até ela começar a labutar no corpo humano.

A perspectiva de um imunizante contra esse mal tão íntimo do brasileiro também não significa que, quando ele chegar aos hospitais, todos poderão deixar o mosquito de lado. "Os cuidados com o vetor continuam, sobretudo no início do esquema vacinal", analisa Rey. E, claro, enquanto não dispomos desse recurso, convém eliminar os criadouros do inseto — aqueles locais e utensílios que podem abrigar água parada — e correr para o pronto-socorro diante da suspeita da doença. "Buscamos capacitar mais profissionais de saúde e usar inclusive as redes sociais para ampliar a vigilância", diz Giovanini Coelho, coordenador do Programa Nacional de Controle da Dengue do Ministério da Saúde. Os inseticidas e larvicidas empregados pelos serviços municipais ajudam, mas precisam ser utilizados com inteligência, uma vez que oferecem riscos à população. E, além de cada um cumprir o seu dever, vale torcer pelo sucesso da vacina. Quando ela chegar, o verão será, sem dúvida, bem mais tranquilo.

Da transmissão ao ataque Há quatro tipos do vírus da dengue e eles são transmitidos para o ser humano na picada da fêmea do mosquito Aedis aegypti, que bota seus ovos em recintos com água limpa e parada. Uma vez dentro do corpo, o micro-organismo se reproduz na medula óssea, no fígado, no intestino e nos gânglios. Quando uma grande carga viral é despejada na circulação, há febre e dois dos seguintes sintomas: dor de cabeça, nas juntas ou pelo corpo, diarreia ou náuseas e vômito. Embora haja casos que até passem batidos, a dengue pode evoluir para a forma hemorrágica, quando a resposta desencadeada pelo vírus no corpo causa lesões nos vasos, e a água do sangue transborda para fora deles, provocando complicações. A chave para escapar delas é o atendimento médico rápido.



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