Um
exame de sangue cujo resultado causa inveja nas rodas de conversa é
aquele que aponta níveis baixos do chamado colesterol ruim, o LDL. Isso
porque, na boca do povo, ele já se tornou sinônimo de complicação para o
sistema cardiovascular. A partir de agora, quem se preocupa com as
defesas do organismo terá um motivo a mais para se gabar de suas taxas
equilibradas. Um estudo da Universidade de Edimburgo, na Escócia, sugere
que reduzir a gordura em circulação auxilia a barrar infecções. Os
cientistas confirmaram esse elo depois de simular uma contaminação por
vírus em culturas celulares e acompanhar a reação da imunidade.
"Observamos
que, diante da invasão pelo micro-organismo, o sistema imune libera
substâncias que, por sua vez, emitem uma ordem para que haja diminuição
dos índices de LDL", conta, em entrevista a SAÚDE!, o médico geneticista
Peter Ghazal, que conduziu o experimento. À primeira vista, essa
informação pode soar como uma boa notícia. Afinal, prestes a iniciar um
combate, as células imunológicas nos prestariam um serviço extra ao
nocautear o colesterol ruim. Só que a história é bem outra. Os
pesquisadores desconfiam que, ao mantermos o LDL sob rédeas curtas, as
defesas não precisariam queimar essa gordura e, assim, ficariam mais
disponíveis para enfrentar os micróbios baderneiros. A pergunta que não
quer calar é: por que elas têm de se meter nesse imbróglio gorduroso?
A
bióloga Marília Seelaender, do Grupo de Pesquisas sobre o Metabolismo
do Câncer da Universidade de São Paulo, esclarece a teoria com mais
detalhes. "Ao ser desafiado, o sistema imunológico fabrica uma
substância, o interferon. Ele, por sua vez, inibe a produção de enzimas
responsáveis pela síntese de colesterol", esclarece. Ou seja, as
fábricas dessa partícula entram em marcha lenta. De acordo com Marília,
uma molécula formada durante esse processo, chamapor da mevalonato,
seria importante para que alguns vírus, como o da dengue, consigam se
multiplicar a contento. Em outras palavras, interromper esse ciclo no
início privaria o inimigo do substrato de que necessita para se
replicar.
Com
base nesse resultado, Peter Ghazal e sua equipe se animam com a
hipótese de que as estatinas — as principais drogas utilizadas para
controle do colesterol — possam ser uma alternativa ou um reforço aos
medicamentos contra infecções no futuro. "As estatinas bloqueiam
justamente a via do mevalonato", concorda Marília. "Mas investigamos,
também, outras maneiras de interromper esse mecanismo", anuncia Ghazal.
Na opinião do cardiologista Raul Dias dos Santos, diretor da Unidade de
Lípides do Instituto do Coração, em São Paulo, toda a linha de pesquisa
faz bastante sentido. "Há evidências de que pacientes tratados com
estatinas apresentam menor risco de morrer diante de uma septicemia,
infecção generalizada grave", conta.
Chega
de malhar o colesterol. Agora é a vez de enaltecê-lo. Mas não sua
faceta vilã, o LDL, e sim a do bem, o HDL. Ele acaba de ser aclamado
como auxiliar na prevenção do tumor de cólon em um experimento liderado
pelo National Institute for Public Health, na Holanda. Para estabelecer
essa relação, os cientistas analisaram os resultados de exames de sangue
de 1 238 pessoas saudáveis e do mesmo número de indivíduos com câncer
colorretal. Em cerca de 700 deles, a doença se localizava no intestino. O
objetivo era comparar o perfil de colesterol dos dois grupos e detectar
correlações entre os níveis da gordura e a incidência do problema. Os
hábitos dos participantes também foram avaliados.
O
resultado foi surpreendente. "Verificamos uma ação protetora do HDL e
de uma de suas proteínas, a apo A, contra as lesões localizadas no
cólon", revela o epidemiologista Bas Bueno-de- Mesquita. A cada 16,6
miligramas por decilitro de aumento no HDL e 32 na apo A, houve uma
redução de 22 e 18% na probabilidade de sofrer do mal, respectivamente.
"Uma das explicações para esse efeito seria a ação anti-inflamatória
desses lipídeos", especula o pesquisador. Ele se refere à neutralização
de substâncias pró-inf lamatórias relacionadas ao câncer, como a
interleucina-6, que agridem as células, induzindo-as a uma multiplicação
desordenada. Há outra hipótese igualmente plausível. "O HDL carrega uma
enzima, a paraoxonase, que diminui a oxidação do LDL", esclarece Raul
Santos. E o processo oxidativo natural do organismo influi na gênese de tumores.
"Não
podemos descartar, ainda, a possibilidade de o HDL e a apo A serem
meros marcadores de maus hábitos, que, estes sim, propiciariam a
enfermidade", lembra o oncologista Samuel Aguiar Junior, do Hospital
A.C. Camargo, em São Paulo. Marília Seelaender entende esse ponto de
vista: "Níveis muito baixos do colesterol bom podem ser reflexo de
fatores como sedentarismo, obesidade, alto consumo de gordura saturada e
tabagismo. Aí, cabe ao médico alertar sobre a necessidade de reverter
esse quadro".
Por
fim, há mais uma situação em que o colesterol faria soar o sinal de
alarme para o câncer. "Quedas muito bruscas nas taxas da gordura
levantam suspeitas", diz Santos. Isso porque o tumor a utilizaria para
compor suas membranas celulares. Mas, na opinião de Marília, é pouco
provável que isso aconteça: "Algumas células tumorais sintetizam o
próprio colesterol de que necessitam. Dificilmente precisariam retirar
esse substrato do organismo". Pelo sim, pelo não, cabe a você, leitor,
preservar o intestino da ameaça e dar uma força ao HDL, maneirando na
gordura saturada e suando a camisa
Justiça à gordura
Apesar do status de vilão, o colesterol tem papel primordial em diversas funções orgânicas
Se
está em excesso, ele é uma ameaça para as artérias; por outro lado, sua
escassez faz uma falta imensa para o corpo todo. Isso porque o
colesterol participa da formação de substâncias importantíssimas para o
organismo. "Esse lipídeo é matéria-prima para a fabricação de hormônios,
como o estrogênio, a testosterona e o cortisol", exemplifica Marília
Seelaender. "Além disso, integra as membranas de todas as nossas células
e atua na comunicação entre elas", completa. Por fim, a partícula
também é precursora de vitaminas, como a D (veja a reportagem na página
24).
Cérebro engordurado?
LDL nas alturas contribuiria para o desenvolvimento do Alzheimer
Não
à toa, estudos já apontavam, na década de 1990, uma associação entre
doenças cardiovasculares e o risco de apresentar Alzheimer. O culpado
seria o colesterol ruim, o LDL, conforme sugerem pesquisas atuais. "Uma
proteína conhecida como precursora de amiloide é produzida no sistema
nervoso e quebrada por enzimas, liberando fragmentos inócuos", explica o
neurologista Paulo Caramelli, da Universidade Federal de Minas Gerais.
"Acontece que o LDL induziria um metabolismo alterado dessa mesma
proteína, favorecendo a formação das chamadas placas beta-amiloides, que
estão por trás do Alzheimer", conclui.
Fonte: saude.abril.com.br
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