segunda-feira, 8 de julho de 2013

Silencioso. Todo médico recorre a esse adjetivo para descrever o ataque do inimigo que carrega, em sua ficha criminal, a denúncia de ser o maior responsável por um colapso no fígado. Descoberto há 20 anos, o vírus da hepatite C está na lista dos bandidos que assaltam o corpo sem dar bandeira durante décadas e, quando são flagrados, já causaram consideráveis estragos. Hoje o réu, que se vale do sangue para contaminar suas vítimas, não responde tanto por novos contágios. Desde que foram adotadas medidas de segurança, como uma triagem mais rigorosa nas transfusões nos anos 1990 e a consolidação do emprego de agulhas descartáveis, a transmissão despencou. 

A questão, porém, é que milhões de brasileiros entraram em contato com o VHC, a sigla que classifica o infeliz, antes desse período e só agora sofrem as retaliações da invasão. "Vivenciamos atualmente uma epidemia de diagnósticos", sentencia o infectologista Evaldo de Araujo, do Laboratório de Hepatites Virais do Hospital das Clínicas de São Paulo. "O problema é que muitos casos ainda são detectados tardiamente", constata Ricardo Gadelha, coordenador do programa de hepatites virais do Ministério da Saúde. A essa altura, o fígado já foi assolado por uma cirrose ou por um câncer. Aí, a única solução é o transplante. 

Só que os atentados ao corpo não se restringem a esse órgão. Os especialistas colhem cada vez mais provas de que a forma crônica da hepatite C abre caminho ao diabete tipo 2. "Há algum tempo já percebemos que a prevalência desse distúrbio em portadores de hepatite é muito alta", diz o hepatologista Edison Parise, da Universidade Federal de São Paulo. Até o momento, existem duas explicações para o elo, e tudo depende da identidade do vilão que se apodera do fígado. "O vírus do tipo 3 induz a resistência à insulina, o fenômeno que antecede o diabete", explica Parise. "Já as versões 1 e 2 estão relacionadas ao acúmulo de gordura na glândula, condição que também favorece a doença." Aliás, o processo de engorda do fígado é marca registrada em quase 70% dos pacientes de hepatite. 

Os médicos têm bons motivos para dar ordem de prisão ao vírus o mais cedo possível. "Quando ele é eliminado, a resistência à insulina desaparece", exemplifica Parise. Evitar que o malfeitor tenha condições de prosperar é o jeito de impedir o depósito de gordura no fígado e, de quebra, o próprio diabete. "E esses fatores favorecem a progressão da hepatite em si, propiciando graves lesões hepáticas", alerta Parise. "O câncer de fígado é de três a quatro vezes mais frequente em quem apresenta ambas as doenças." 

Ora, já deu para notar que o sucesso da caçada depende de um diagnóstico precoce. "Todo indivíduo que se submeteu a uma transfusão de sangue antes de 1993, envolveu-se em acidentes com agulhas ou compartilhou seringas deve fazer o exame que acusa o vírus", avisa Ricardo Gadelha. Mas não dá para se fiar na memória nem no excesso de confiança. "Entre 25 e 30% dos pacientes não sabem como contraíram a doença", revela a hepatologista Rosângela Teixeira, da Universidade Federal de Minas Gerais, que coordena um estudo pioneiro sobre o impacto das hepatites na população mineira.

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