segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Quando perguntado sobre qual deveria ser o principal objetivo de vida das pessoas, o poeta romano Juvenal (55-127 d.C.) não pensava duas vezes antes de responder: mens sana incorpore sano. Ou, do latim para o português, uma mente sã num corpo são. A frase, repetida à exaustão durante os séculos que viriam, integrou Sátiras, obra mais famosa do literato. De algum modo, a antiga citação antecipa um tema que a ciência moderna esmiúça com afinco: a relação entre o estado de ânimo e a saúde.

Um dos exemplos mais recentes desse interesse acadêmico vem da Universidade da Califórnia, nosEstados Unidos. Os especialistas da instituição pesquisaram, em idosos com depressão, a eficiência da vacina contra herpes-zóster, uma infecção que provoca dores e feridas na pele. Aqueles que sofriam com os quadros depressivos e não passaram por tratamento medicamentoso tinham, após a injeção, uma produção menor de anticorpos quando comparados aos velhinhos com a cabeça em paz. "Nesses casos, a liberação excessiva de hormônios estressantes, como o cortisol, prejudica a resposta do sistema imunológico à vacina", explica o endocrinologista Walmir Coutinho, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.

Meses depois, os cientistas foram além. Eles testaram o imunizante nos mesmos indivíduos deprimidos, mas que, após aquele primeiro teste, começaram a usar remédios para combater a tristeza sem fim. Resultado: a resposta imunológica foi muito mais consistente, comprovando o benefício do tratamento psiquiátrico e o papel deletério da doença nas nossas defesas naturais. "A depressão inicia um processo inflamatório que aumenta o risco de outras enfermidades darem as caras", resume o clínico geral Paulo Olzon, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Mas é possível relacionar o achado sobre o herpes-zóster a outros tipos de vacinas e drogas? Os especialistas entendem que sim. "Distúrbios emocionais podem restringir a ação de diferentes fármacos por causa do desequilíbrio de hormônios e neurotransmissores, que fazem a comunicação entre diversas regiões do organismo", conta o psicólogo Esdras Vasconcellos, da Universidade de São Paulo (USP).

O estudo californiano figura como um bom exemplo de uma área que vem ganhando destaque na medicina, a psiconeuroimunoendocrinologia. Seu objetivo é compreender como os sistemas nervoso, endócrino e imune se relacionam entre si e reagem aos estímulos psicológicos, vindos dos pensamentos e da interação com o ambiente. "Os quatro complexos conversam por meio de receptores, hormônios, neurotransmissores e outras moléculas. O equilíbrio entre eles é fundamental para que o corpo funcione direito", diz o imunologista Momtchilo Russo, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.

Essa discussão pode ser ampliada para outros problemas típicos da vida moderna, como o estresse. Uma investigação da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, expôs 276 voluntários tensos a um resfriado comum. Testes de sangue comprovaram que o contra-ataque imunológico ao agente invasor era mais fraco em relação a indivíduos que se diziam relaxados. A pesquisa concluiu que o nervosismo é capaz de interferir diretamente nas linhas de defesa do organismo.

Vamos tomar como exemplo um sujeito que acaba de receber a notícia da morte de um familiar de quem gostava muito. Num primeiro momento, a informação é encaminhada para a cabeça a fim de dar uma interpretação ao fato, o que acontece em frações de segundo. Algumas das áreas acionadas são as que processam nossas memórias — é uma tentativa de estabelecer um paralelo entre a nova informação e situações similares vividas no passado. "O fato também atinge a amígdala, estrutura cerebral que vai julgar a sua importância emocional. Se for considerado grave, é disparada uma série de reações, que passam pelo hipotálamo e pela hipófise", relata o psicobiólogo Ricardo Monezi, da Unifesp.

Depois de todo esse processo, a massa cinzenta lança na circulação o adrenocorticotrófico, molécula que viaja até as glândulas suprarrenais, localizadas acima dos rins, e estimula a produção de hormônios do estresse, como o cortisol. As substâncias enervantes, então, caem no sangue, onde incidem sobre os linfócitos, as principais células de defesa do corpo. O mecanismo pode se repetir diversas vezes, com prejuízos incontáveis para a saúde.

Assim como a diferença entre o veneno e o antídoto é a dose, a quantidade de cortisol perambulando nos vasos determina se sua ação será boa ou ruim. "O aumento prolongado dos seus níveis implica uma redução da competência do sistema imunológico no combate a agentes agressores", descreve o psiquiatra William Dunningham, da Universidade Federal da Bahia. "Isso faz com que indivíduos persistentemente estressados fiquem vulneráveis às infecções virais e bacterianas e inclusive ao surgimento de tumores", completa. Na contramão, quando esse hormônio é secretado em pequenas porções durante eventos isolados, contribui para a manutenção dos anticorpos e até mesmo da memória e do cérebro como um todo.

Nem tudo são lágrimas 
Para tratar quadros leves de estresse, ansiedade e depressão, os médicos apostam em terapias alternativas como meditação, ioga e acupuntura. "Também procure investir numa alimentação adequada, priorizando fontes ricas em selênio e zinco, dois protetores do sistema de defesa", recomenda a alergologista Ana Paula Moschioni, diretora da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia. Castanhas e frutos do mar, respectivamente, são opções ricas nesses minerais.


Para prevenir chateações, vale manter o bom humor sempre que possível. As gargalhadas atenuam a ação dos hormônios estressantes, ao mesmo tempo que fazem liberar substâncias para ajudar a manter a alegria em alta, como a dopamina e a endorfina. "Pessoas otimistas desenvolvem anticorpos a vacinas duas a três vezes mais rápido do que pessimistas", ressalta Monezi. De acordo com o pesquisador, amar (e ser amado) e realizar um trabalho voluntário também estão na lista de atitudes que garantem uma mente sã num corpo são.

Tensão à flor da pele 
Quando o nervosismo ou a tristeza passam dos limites, a pele é um dos órgãos que mais sofrem. "É comum que pessoas com distúrbios emocionais se cocem, arranquem cabelos e tentem, compulsivamente, espremer espinhas e cravos", exemplifica o dermatologista Roberto Azambuja, coordenador do Departamento de Psicodermatologia da Sociedade Brasileira de Dermatologia. A bagunça nos hormônios ainda faz a acne ficar frequente.


Leva e traz - As substâncias abaixo estão por trás do forte elo entre mente e corpo
Cortisol -   Reconhecido como um dos hormônios do estresse, é produzido nas glândulas suprarrenais, que ficam logo acima dos rins. Em situações normais, o cortisol prepara o corpo para casos de perigo e emergência, elevando a pressão arterial e a oferta de açúcar no sangue.

Adrenalina - Também secretada pelas suprarrenais, compõe o time dos hormônios estressantes. Convocada em momentos de emoções fortes, deixa o organismo pronto para tomar uma atitude. Para isso, acelera as batidas do coração, estreita os vasos sanguíneos e prepara os músculos para a ação.

Noradrenalina - Fabricada nas glândulas que moram sobre os rins, tem influência direta no sono, no aproveitamento de nutrientes e no humor. Quando seus níveis estão equilibrados, contribui para que a pressão fique dentro dos conformes. Em períodos de tensão, o excesso da partícula está por trás da ansiedade.

Dopamina - Ela é recrutada pelo cérebro em situações prazerosas, que merecem ser repetidas. Na quantidade correta, a dopamina tem a função de regular o aprendizado, o desenvolvimento cognitivo, a memória e a qualidade do 
sono. A falta do neurotransmissor está relacionada à depressão e à doença de Parkinson.


Endorfina - Assim como a dopamina, traz a sensação de bem-estar. Sintetizado pela hipófise, na cabeça, o neurotransmissor é responsável por gerar sensações eufóricas, o que, por sua vez, atenua a tensão e até as dores físicas. Em taxas normais, fortalece o sistema imunológico e proporciona disposição para o corpo e a mente.

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