segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Guerras e epidemias dividem o poder de recuar ou adiantar o ponteiro da história. Por um lado semeiam destruição e emperram o desenvolvimento de algumas nações; por outro deixam como legado descobertas, invenções e avanços tecnológicos. A verdade, um tanto sombria, é que em meio à catástrofe o conhecimento progride. Com a aids não foi diferente. Quase 30 anos depois, o mal disseminado pelo vírus HIV continua um capítulo em aberto. Mas, ao rever as páginas escritas até hoje, não nos defrontamos apenas com o medo e a morte, mas com uma autêntica revolução científica e cultural. As mudanças são lidas e vivenciadas inclusive em nosso dia a dia. E, se a despeito de tudo o que aprendemos ainda não conseguimos sepultar a doença, resta a certeza de que, mais uma vez, o homem precisa ultrapassar os limites do conhecimento.A síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) entrou para a história provocando efeitos colaterais na ciência. Diante de um problema desconhecido e altamente letal, investimentos astronômicos foram canalizados para os centros de pesquisa. Um vírus, o da imunodeficiência humana (HIV), movimentou uma caça às bruxas e, quando descoberto, tornou-se inimigo público número 1. O clima era o de ameaça à espécie humana, mas estávamos prestes a entender, com detalhes, alguns dos mecanismos que explicam a vida. Os resultados dos estudos focados na nova epidemia transbordaram, isto é, não ficaram restritos à aids. "A doença acelerou o progresso científico", observa o infectologista Stefan Cunha Ujvari, autor de A História da Humanidade Contada pelos Vírus (Ed. Contexto).

Em meio a essa corrida, que invadiu o século 21, aprendemos como é organizado nosso sistema imunológico e desvendamos a natureza e as estratégias de ataque dos vírus. "A virologia se divide em antes e depois do HIV", sentencia o infectologista Caio Rosenthal, do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo. Avançamos na compreensão do genoma. "Com os estudos em HIV, passamos a identificar perfis genéticos que acusam se uma pessoa terá uma progressão mais lenta ou rápida da doença", conta a farmacêutica Rejane Grotto, da Universidade Estadual Paulista, em Botucatu. O boom de informações geradas em laboratório extrapolou os ganhos contra a aids e aprimorou a abordagem das hepatites virais e do câncer.

"Não tenho dúvida de que o conhecimento gerado em função do HIV ainda não foi totalmente empregado em outras doenças", diz o infectologista Celso Granato, do Laboratório Fleury. Na esteira do progresso, porém, exames se aperfeiçoaram e novas drogas surgiram. A ordem de conter o vírus resultou em mais segurança nos procedimentos médicos, como a triagem do sangue para doação e o uso de agulhas descartáveis. São mudanças que mal notamos no cotidiano, mas que afetam, e muito, a nossa vida.

Apesar de iluminar indiretamente os pilares da biologia moderna, a aids deixou lições amargas, porque quebrou modelos estabelecidos. "As epidemias costumam surgir e depois de um tempo desaparecer, mas a aids não foi embora", avalia a professora de história da medicina Diana Maul de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Além disso, a doença silenciou a esperança — ou, por que não, a presunção — da ciência de impor seu domínio absoluto sobre os micróbios. "O século 20, marcado pelo desenvolvimento de vacinas e antibióticos, imaginou controlar de vez as doenças infecciosas, e o HIV mostrou que isso ainda é impossível", lembra Diana.

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