quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013


Repare na quantidade de informações sobre o seu interlocutor fornecidas por uma simples conversa ao telefone. Sem vê-lo dá para presumir se é homem ou mulher, paulista ou gaúcho, jovem ou maduro, se está feliz ou triste, se anda disposto ou abatido... Talvez seja a voz, e não os olhos, o verdadeiro espelho da alma. A questão é que a nossa marca sonora registrada, tão singular quanto as impressões digitais, carece de cuidados para não falhar no dia a dia. E qualquer ruído que ouse enferrujá-la por certo tempo merece ser eliminado. 


Com o propósito de despertar a atenção para o assunto e organizar a conduta dos especialistas, a Academia Americana de Otorrinolaringologia acaba de publicar novas diretrizes de tratamento do tormento vocal mais comum no planeta, a rouquidão. "Ela é, na verdade, uma sujeira da voz", define Mara Behlau, coordenadora do Departamento de Voz da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. Sujeira que deve ser removida da garganta. "Um dos nossos objetivos é aumentar o conhecimento sobre as causas do problema, além de alertar que ele tem de ser levado a sério, porque pode acusar algo mais grave", declara a SAÚDE! Seth Schwartz, líder do trabalho. E de pensar que a voz rouca já foi um dos atributos das atrizes mais sensuais do cinema… 

"Se a rouquidão persistir por cerca de 15 dias, é preciso procurar um médico", avisa Mara. Só ele pode decifrar o motivo da aspereza. Para tanto, conta com um velho e eficiente exame: a laringoscopia. "Introduzimos um instrumento rígido na boca do paciente ou um tubo flexível em seu nariz para visualizar a laringe e verificar o que há de errado", descreve o otorrinolaringologista Luciano Neves, da Universidade Federal de São Paulo. As autoridades americanas também levantam uma bandeira contra a automedicação — erro típico de quem convive com a garganta irritada. "Pretendemos reduzir o uso inapropriado de anti-inflamatórios e antibióticos, que oferece riscos ao corpo inteiro", diz Schwartz. 

Mas o que será que povoa a voz de ruídos? "Em primeiro lugar estão os abusos vocais", responde o otorrinolaringologista Domingos Tsuji, do HC paulistano. Cometem esse delito as pessoas que, em uma festa ou na torcida de futebol, gritam sem parar ou que, ainda, precisam falar por horas a fio. Não por menos, professores, radialistas e operadores de telemarketing encabeçam a fila dos que enfrentam o transtorno. O abuso da voz é gatilho para a formação de nódulos, popularmente chamados de calos — a causa número 1 da rouquidão. 

Logo após o diagnóstico, porém, uma faxina comandada por um fonoaudiólogo consegue liquidá-los. "A reabilitação de voz é a primeira opção de tratamento, desde que não seja detectado um problema mais grave, como um tumor", diz Mara Behlau. "São exercícios orientados de acordo com o laudo do paciente, que podem trabalhar a respiração, a dicção e a vibração das pregas vocais", explica a fonoaudióloga Carla Cielo, da Universidade Federal de Santa Maria, no interior gaúcho. "A terapia é capaz até de promover a reabsorção do nódulo", completa. Alguns casos, porém, requerem cirurgia — e o bisturi ainda é a solução para outros tipos de lesão que acometem as cordas. A rouquidão também costuma ser consequência de infecções respiratórias. Em gripes e resfriados, além de repouso, podem ser receitadas drogas para barrar os micróbios e a inflamação que aterrorizam a garganta. 

Talvez você pergunte: a rouquidão sempre sinaliza perigo? Depende. Há quem ostente desde pequeno, por um capricho da natureza, um tom suavemente rouco. Também é compreensível que as cordas vocais reajam após um baile de Carnaval, por exemplo — mas, aí, a aspereza é passageira. E lembre-se: com o avançar da idade, elas se tornam mais frágeis e suscetíveis às intempéries. 

Só não vale tachar de inocente uma rouquidão que surge do nada e não cede. "Ela pode ser o sintoma inicial de um câncer de laringe", alerta Ronaldo Frizzarini, da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia. "Infelizmente, o Brasil é o vice-campeão mundial na incidência desse tumor, relacionado ao tabagismo e ao consumo excessivo de álcool." Se descoberto cedo, porém, são altas as chances de cura. A mensagem, que deve ser divulgada em alto e bom som, é desconfiar de um martírio vocal prolongado e adotar os hábitos listados nesta reportagem, que afastam a poluição sonora na garganta. Sua voz agradece — e isso vai dar o que falar.

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